"O mercado de trabalho vai deixar de absorver os menos qualificados"

Afirma o Presidente da ANQEP

"A Área Metropolitana do Porto necessitou de eleger como fator de competitividade a educação e a formação"

afirma o Presidente da Associação Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional, Gonçalo Xufre, em entrevista concedida à "ISLA-IPGT News".

Esta opção, considera o Presidente da ANQEP, resulta das transformações económicas e empresariais que a região norte tem vindo a registar, numa cada vez maior dinâmica de modernização do tecido empresarial.

Gonçalo Xufre, um forte adepto da formação dual, e da formação contínua ao longo da vida, reconhece que "começa a ser notório que os jovens demonstram apetência para ingressarem cada vez mais em percursos educativos de dupla certificação".

É neste sentido que, reconhece o Prof. Doutor Gonçalo Xufre, “o ISLA, instituição tradicionalmente focada no ensino superior, encontrou recentemente uma ponte de ligação ao ensino profissional, através dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP). Esta ligação é de todo relevante, na perspetiva em que acreditamos fazer sentido trabalhar no novo paradigma de aprendizagem ao longo da vida. Apesar de existirem ciclos ou patamares de qualificação, a aprendizagem faz-se num contínuo, ao longo da vida."

A entrevista que se segue é de relevante importância, porquanto fornece ao leitor uma perspectiva muito actual relativamente aos desafios imediatos que se colocam à formação profissional e académica. Urge aprofundar o caminho que se iniciou da formação dual, como exigência para ultrapassar os estrangulamentos de emprego que hoje sufocam os portugueses. 

O nosso entrevistado, Professor Doutor Gonçalo Xufre, além de ser um dos maiores especialistas nestas áreas da formação e educação, é um convicto defensor deste modelo, cujo sucesso está mais que demonstrado nas economias de maior competitividade europeia.

P - A região da Área Metropolitana do Porto é particularmente fértil em escolas de excelência nacional nos diversos níveis de ensino e formação. Enquanto Presidente da ANQEP, e também na sua condição de Professor Universitário, como avalia este potencial da região?

R - As características dos territórios têm grande influência nas opções ao nível da educação e formação que se seguem, o que faz todo o sentido. Afinal, é suposto que essas opções respondam às necessidades de qualificação requeridas e necessárias em cada território. A Área Metropolitana do Porto, caracterizada por uma elevada densidade populacional, por uma diversidade territorial grande, de características únicas, com um alto potencial em termos de património paisagístico e uma forte aposta em programas gastronómicos, desportivos, de natureza e culturais, a que se junta uma enorme capacidade exportadora em indústrias como a Madeira, do Mobiliário e da Cortiça ou na Fabricação de Veículos e Componentes Automóveis, necessitou de eleger como fator de competitividade a educação e a formação e de definir como área de intervenção estratégica a criação do próprio emprego e o empreendedorismo. Tudo isto tem influência no modo como se trabalha em termos de educação e formação profissional, se se quiser alcançar bons resultados em áreas tão diversas como a economia, a cultura, a empregabilidade, o turismo, etc. Neste, como noutros domínios, é sobretudo preciso que todos estejam alinhados na mesma direção. Essa é, no meu entender, uma das principais mais-valias deste território. 

P - É do domínio público que o Professor Doutor Gonçalo Xufre não faz distinção entre ensino público, privado ou cooperativo, afirmando recorrentemente que o importante é a qualidade que as referidas instituições devem assegurar ao serviço do interesse público. Está satisfeito com o desempenho que os diversos estabelecimentos de ensino, nomeadamente os mais vocacionados para a formação profissional aplicada, vêm demonstrando? O que gostaria de ver alterado ou melhorado neste sector, particularmente no que respeita ao ensino profissional de formação ao longo da vida?

R - Mais do que a natureza da instituição, o relevante é a qualidade do serviço que se presta. No domínio da educação e formação profissional, parece haver já uma consciência da necessidade de se apostar na qualidade, no que diz respeito às modalidades de qualificação destinadas aos jovens. Esta consciência poderá ter resultado não só das orientações europeias associadas ao Quadro de Referencia Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e Formação Profissionais (EQAVET), mas também do próprio decréscimo populacional (havendo menos jovens, as estratégias de captação de públicos terão de privilegiar a qualidade). O mesmo ainda não sucedeu no que se prende com a educação e formação de adultos, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida. Esse é ainda um caminho que tem de ser feito. Acredito, no entanto, que há neste momento enquadramento político para o podermos fazer.

"Apesar de existirem ciclos ou patamares de qualificação, a aprendizagem faz-se num contínuo,ao longo da vida"

P - O ISLA Gaia está nesta cidade desde a sua abertura na Região Norte, há mais de um quarto de século. Nesta instituição foram já licenciados vários milhares de cidadãos, sendo muitas centenas deles quadros médios ou superiores de empresas que nunca descuraram a sua formação, nos mais diversos níveis, na perspetiva das correspondentes carreiras profissionais. Do que é do seu conhecimento, que avaliação faz do papel desempenhado por esta instituição?

R - Sendo o ISLA uma instituição tradicionalmente focada no ensino superior, encontrou recentemente uma ponte de ligação ao ensino profissional, através dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTSP). Esta ligação é de todo relevante, na perspetiva em que acreditamos fazer sentido trabalhar, no novo paradigma de aprendizagem ao longo da vida. Apesar de existirem ciclos ou patamares de qualificação, a aprendizagem faz-se num contínuo, ao longo da vida. As instituições que forem capazes de criar essas linhas de continuidade entre ciclos ou patamares de aprendizagem terão maior probabilidade de se afirmarem e de contribuírem para a consolidação de percursos de qualificação relevantes para os indivíduos (enquanto jovens e já na fase adulta). Parece-me ser essa a opção salutar que tem vindo a ser seguida pelo ISLA de Gaia. 

P - Tem defendido publicamente que as redes informais de escolas profissionais, instituições de ensino superior politécnico, autarquias, associações empresariais e profissionais devem convergir num esforço conjunto de articulação das políticas de formação. Considera que há já um espírito de trabalho em rede suficientemente desenvolvido para atingir estes objetivos? O que falta fazer?

R - Durante muitos anos, as instituições de ensino e formação habituaram-se a trabalhar de forma isolada e muitas vezes de costas voltadas umas para as outras. Esta realidade teve consequências bastante negativas, não só para o País mas também para os próprios operadores de educação e formação e para os cidadãos em geral. Um domínio onde isso foi mais notório prendeu-se com o mapa geográfico das ofertas de educação e formação, marcado por sobreposições ou por escassez de ofertas nos territórios com consequentes perdas em termos de eficácia (abandono escolar prematuro e insucesso escolar) e de eficiência (com gastos desnecessários inerentes à manutenção das mesmas ofertas nos mesmos territórios).

As políticas mais recentes em matéria de educação e formação profissional já não se coadunam com esta forma de trabalhar. Por isso, as redes de ofertas educativas e formativas são trabalhadas em função de critérios estudados previamente, que devem ser respeitados por todos os operadores de educação e formação. A mesma necessidade de articulação vemos noutros domínios como a adequação das qualificações às necessidades de competências existentes nos territórios ou o redesenho das qualificações, tendo em conta os resultados de aprendizagem. Em suma, é sempre preciso sentar à mesa das negociações representantes de vários organismos provenientes dos mundos da educação, da formação, do emprego, da indústria, parceiros sociais, etc.  

Este modo de trabalho nem sempre é fácil (obriga a concertação de esforços, a cedências, a negociações) mas é um caminho que não pode ser feito de outro modo. No fundo, é uma cultura de trabalho que tem de passar a fazer parte das nossas rotinas. Nalguns casos, tem surgido espontaneamente, por via das vicissitudes inerentes à missão de alguns organismos. A título de exemplo, temos o trabalho que muitos Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional (CQEP) encetaram nos seus territórios, numa procura de soluções de encaminhamento para os candidatos jovens e adultos à qualificação que lhes batem à porta. Isso é muito salutar. 

"Cada vez mais os jovens demonstram apetência para ingressarem em percursos educativos de dupla certificação"

P - Na linha do que atrás foi dito, que importância atribui às parcerias que o tecido económico e empresarial da Região Norte e as instituições de ensino podem desenvolver?

R - Por tudo o que referi, estas parcerias são fundamentais. Se não existirem dificilmente teremos: ofertas de qualidade e ajustadas e às reais necessidades presentes e futuras de competências para o desenvolvimento económico; redes de educação e formação que respondam à procura efetiva existente em cada território; rentabilização dos recursos que conseguimos alocar à educação e formação; e populações cada vez mais qualificadas e, consequentemente, com menor tendência para situações prolongadas de desemprego e níveis mais elevados de coesão social. 

P - Considera que o ensino profissional, de nível médio ou superior por via dos politécnicos, está no caminho certo para responder ao desenvolvimento e crescimento da economia nacional? Que expetativas tem quanto às políticas do atual Governo no que a estas matérias diz respeito?

R - Creio que atualmente não há opção política consciente que não assente na valorização e na promoção do ensino profissional, numa perspetiva continuada de aprendizagem ao longo da vida. 

Antes de mais, esta valorização corresponde a um compromisso que Portugal tem assumido, a par dos restantes Estados-Membros, no âmbito da estratégia Europa 2020. Muito embora cada estado seja soberano nesta matéria, na verdade há o compromisso de todos se aproximarem, até 2020, de certos patamares, como a redução da taxa de abandono escolar para níveis abaixo dos 10% e o aumento para, pelo menos, 40% da população na fixa etária dos 30-34 anos com um diploma de ensino superior. 

Ao nível do emprego, há igualmente compromissos como o aumento para 75% da taxa de emprego na faixa etária dos 20-64 anos. 

Além disso, começa a ser notório que os jovens demonstram apetência para ingressarem cada vez mais em percursos educativos de dupla certificação, assim que terminam o 9.º ano de escolaridade, e que essa opção tem favorecido o sucesso escolar. 

Nos adultos, os cursos profissionalizantes são encarados como essenciais para as situações de requalificação que são cada vez mais necessárias face à rápida obsolescência das competências que se adquirem nos percursos de qualificação inicial. 

Sabe-se também que, a curto e médio prazo, o mercado de trabalho deixará de ter condições para absorver os menos qualificados. 

Assim, qualquer estratégia que permita valorizar do ensino profissional terá de ser vista, não só como positiva, mas também como essencial. 

Os que está a ser feito pelos politécnicos tem a vantagem acrescida de aproveitar todo o potencial que estas instituições já detinham (o ensino profissionalizante sempre foi o seu ADN) a favor do cumprimento das referidas metas.


Entrevista de Manuel Pinto Teixeira

Foto de Arquivo ISLA-IPGT

0
0
0
s2sdefault
 

Cursos em Destaque

destaque lic CD
 
destaque mes FF
Acesso

Faça a sua Candidatura ao ISLA Gaia

Candidatura Online