Todos os anos, desde 1988, a 24 de novembro, o mundo comemora o Dia Mundial da Ciência, ao mesmo tempo que Portugal celebra o Dia Nacional da Cultura Científica. Num momento de grandes desafios provocados pelo atual estado de pandemia que continuamos a assistir, o papel da ciência mostra-se fundamental na preparação de um mundo mais sustentável e igualitário. Mas também há um lado negativo: o da “industrialização” da ciência.
“A ciência explica a natureza e cria novos mundos que não percebemos com nossos sentidos”, assim escreveu o físico e astrónomo brasileiro Marcelo Gleiser, cientista que buscou procurar o melhor de dois mundos ao explorar os segredos do universo ao mesmo tempo em que explorava as folhas da literatura e da espiritualidade.
Einstein apontava para a relação íntima da Humanidade com a ciência, ao refletir que “toda a nossa ciência, comparada à realidade, é primitiva e inocente e, portanto, é o que temos de mais valioso”. Já Galileu, a personagem eterna que se viu obrigada a negar a sua ciência perante a intolerância religiosa, advogou que “o fim da ciência não é abrir a porta ao saber eterno, mas sim colocar limites ao erro eterno”.
Desde sempre a Ciência “vestiu” roupagens diferentes, umas vezes como o saber de um todo, a magna filosofia grega, outras confundida com magia, quando olhamos para a visão fantasiosa que as sociedades supersticiosas olhavam para as figuras enigmáticas dos alquimistas. Provavelmente um dos campos mais apaixonantes da vivência humana, a Ciência despertou ao longo dos séculos um fascínio notável à medida em que ia explicando o macro e o micro-cosmos que nos rodeia.
Se hoje o mundo nos parece uma “aldeia global”, devemo-lo à ciência, ao mesmo tempo em que temos acesso a condições de vida que nunca antes a humanidade testemunhou. Se o mundo do conhecimento se reuniu em torno de uma solução quase à “velocidade da luz” para resolver o desafio provocado pela COVID-19, devemo-lo a todo o trabalho realizado ao longo dos últimos anos na busca de soluções para combater esta e futuras pandemias.
Ao mesmo tempo em que festejamos o envolvimento da ciência para a construção de um futuro que se deseja risonho, é também importante refletir sobre os aspetos menos bons que norteiam a atividade científica e que viciam, muitas vezes, a realidade do conhecimento. Falamos sobre a necessidade constante de financiamento que os cientistas carecem para realizar a sua investigação, ao mesmo tempo em que a academia obriga a que os mesmos cumpram metas de publicações de artigos e papers, de forma a cumprir os rácios necessários para que as universidades se mantenham no topo dos rankings de avaliação internacionais. Essa dura realidade que investigadores e docentes universitários enfrentam deixam pouca margem para desenvolver o outro lado fundamental da ciência: a sua formação e promoção junto dos mais jovens e da sociedade em geral.
Se a comunidade científica não comunicar a ciência, como pode a sociedade festejar os feitos do conhecimento? E se os docentes se virem obrigados a diminuir o contacto com os seus estudantes, de que forma podemos construir novas gerações de cientistas A produção científica é fundamental para o avanço da ciência e das capacidades investigadoras de um militante do conhecimento, mas não pode contribuir para o desvio do foco essencial de um docente universitário que é a formação dos seus estudantes. Ciência ao “quilo” é como a comida das cadeias de “fast-food”: sabe tudo ao mesmo e no final deixa um gosto amargo de vazio. E esse é o “lado negro” da força da Ciência.
Diretor do CTesP de Comunicação Digital
Diretor da Licenciatura em Comunicação e Tecnologia Digital