COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA DIGITAL REFLETE SOBRE OS DESAFIOS E OS PERIGOS DA ERA DA INFORMAÇÃO

 

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“Contribuiremos para a era da informação, se a informação virar conhecimento e o conhecimento sabedoria”

Vítor Fragoso, psicólogo

 

 

 

 

No segundo semestre deste ano letivo o 3º ano da licenciatura de Comunicação e Tecnologia Digital realizou a primeira edição dos “Seminários de Comunicação Digital”, com o objetivo de colocar em contacto os estudantes e a comunidade académica do ISLA-IPGT com alguns dos melhores profissionais da área da psicologia da comunicação, da comunicação empresarial e corporativa, do jornalismo, da comunicação autárquica e turística, e que contou com personalidades como André Rodrigues (jornalista da Rádio Renascença e prémio Jornalismo 2017), Miguel Ribeiro (gestor de negócios do Novo Banco) ou Mário Aguiar (responsável do gabinete de Turismo da Câmara Municipal da Maia).

Com uma periodicidade de uma palestra por mês e a realização de trabalhos académicos por parte dos estudantes do 3º Ano, a iniciativa destes seminários produziu contributos para a reflexão das várias áreas da comunicação no contexto do mercado em particular e na sociedade em geral. Com o impacto da Covid-19 a grande maioria dos seminários realizou-se através das plataformas online, possibilitando a muitos um primeiro contacto com o e-learning.

O seminário inaugural, que teve lugar a 5 de março, ainda nas instalações do ISLA, ficou a cargo de Vítor Fragoso, psicólogo clínico e professor universitário, com o tema “Comunicação e Sociedade: Uma Abordagem aos Efeitos da Comunicação e dos Médias Digitais na Sociedade numa Perspetiva Sociopsicológica”.

Vítor Fragoso têm-se dedicado. desde há vários anos, ao estudo do impacto das novas tecnologias da comunicação, das plataformas de comunicação e das redes sociais nas comunidades, com especial enfoque nos jovens em idade escolar, nos idosos e nas organizações.

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P - De que forma é que “estamos a contribuir para a era da informação”?

R - Atualmente, mais do que a era da informação, vivemos a era da digitalização, o que acarreta potencialidades e riscos. Travamos a fundo na vida que levávamos e ainda nos estamos a adaptar, os recursos digitais e de informação que tínhamos disponíveis foram os recursos mais imediatos para de algum modo dar continuidade às nossas vidas. Mas convém não esquecer que grande parte da humanidade não tem acesso a estes recursos. Um dos grandes desafios, como tem sido sempre, é o da equidade e o da justa distribuição dos recursos e saberes planetários. Contribuiremos para a era da informação, se a informação virar conhecimento e o conhecimento sabedoria. No fundo o que desejamos é um conhecimento e um saber de e para todos.

“O número de casos de patologias associadas ao uso excessivo dos meios digitais está a crescer, e a sua tendência é o agravamento”

P - Quais as vantagens e desvantagens uma maior conexão ao mundo virtual?

R - No momento atual é essencialmente a possibilidade de ligação, contacto e continuidade da atividade laboral à distância, através do teletrabalho e da possibilidade de manutenção das relações de amizade e familiares. A desvantagem é a despersonalização, o alheamento, a alienação, e a dificuldade das pessoas em interagirem umas com as outras para além do virtual. Uma das questões que se assiste é que alguns jovens vão tendo facilidade em interagir e falar através dos meios digitais, mas depois em contexto real e concreto as dificuldades são imensas. O número de casos de patologias associadas ao uso excessivo dos meios digitais está a crescer, e a sua tendência é o agravamento. Este é um campo a ter em atenção. Em Portugal estima-se que o jogo virtual já represente um total de 1000 milhões de euros anuais, segundo notícias recentes e agravado com a pandemia, mas a que custo e com que consequências para os utilizadores e suas famílias. Nós estamos mais ligados do que nunca. Estamos ligados, mas com grandes fragilidades. Podemos pensar o que é ficar ligado e como nos queremos ligar?

P - A tecnologia alterou hábitos de vida enraizados na sociedade, criando-nos a ilusão de que estamos sempre ligados. Existe algum botão “off”?

R - A liberdade, ou possibilidade de aceder a ela, reside na relação estabelecida entre escolha e decisão, e a responsabilidade pela mesma através da nossa ação. O desejável é que saibamos ligar e desligar. Isto de estar sempre ligado, ou ser pressionado a tal é uma enorme ratoeira, com resultados danosos para a saúde psíquica e emocional das pessoas. Podendo originar o já tão famoso burnout (queimado pelo trabalho). O que se espera é estejamos cada vez mais conscientes da necessidade de fazermos as duas coisas, ligar e desligar. Uma é tão importante como a outra. Neste momento de pandemia, o que se tem observado é que muitas pessoas que já não tinham limites continuaram com esse excesso, talvez ainda mais agravado com o confinamento.

P - E a forma como nos relacionamos? A tecnologia está a transformar irremediavelmente o contacto de proximidade visual e físico ou estamos perante uma adaptação do "conceito"?

R - As mudanças estão aí, mas julgo que a autorregulação inerente à componente bio- psíquica do ser humano vai acabar por trazer novamente as pessoas para “os eixos”, pois o corpo sabe. Penso que nesta fase muitas pessoas estão a sentir a nostalgia do contacto, da relação para além do virtual. Estamos num momento de viragem, de transição, ainda não sabemos muito bem o que vem aí. A incerteza, a insegurança e a instabilidade estão fortemente presentes no nosso quotidiano, mas este também é um tempo de oportunidade e mudança. Ou aprendemos ou corremos o risco de fazer o mesmo ou pior do que fazíamos antes enquanto humanidade.

P - De que forma é que os novos média afetam a relação com o outro e propiciam um extravasamento do ego? Afinal, queremos ser todos famosos? Passamos nós também a ser personalidades da “sociedade do espetáculo”?

R - Os protagonistas hoje são as pessoas comuns, e isso mudou o paradigma. Passamos a entrar na “casa uns dos outros”, o movimento alterou-se, dantes a relação com os média era essencialmente de consumo do que era produzido, hoje qualquer um de nós é produtor de conteúdos, que a média aproveita e sem pagar (risos). Hoje é o cidadão comum que entrou nas redações com todas as implicações que isso tem para o bem e para o mal. Apesar de tudo podemos sair todos mais enriquecidos.

“O virtual deve ser um complemento e nunca um substituto para a vida das relações”.

P - As tecnologias e a realidade atual municiada pela pandemia da COVID-19 provoca uma cada vez maior “digitalização” da nossa vida. De que forma é que essa “digitalização” afeta psicologicamente os indivíduos, já que provoca um isolamento imposto, sabendo, contudo, que existem aspectos positivos, como o racionamento dos recursos...

R - Corremos o risco de nos confundirmos “com a máquina”, a vida acontece no corpo, no aqui e agora, no presente do contacto e do encontro real. O virtual deve ser um complemento e nunca um substituto para a vida das relações. Do ponto de vista psicológico o essencial é o contacto, o toque, a sensação, o cheiro, o movimento, de forma que tudo o que tolhe o corpo limita o desenvolvimento psíquico do ser humano.

P - A tecnologia, mas sobretudo as redes sociais, colocam-nos questões de privacidade que nos situam no limiar da reflexão do que é público e do que pertence à esfera do privado. No ponto de vista de gestão psicológica dos indivíduos, quais os reais perigos de uma exposição excessiva do “eu”? 

R - As fronteiras diluíram-se. Hoje, pelo comportamento dos utilizadores das redes, não está claro o que é privado, o que é publico e o que é íntimo. O ser humano necessita de limites, limites orientadores que o delimitem enquanto identidade psíquica e corporal. Limites que lhe permitem saber quem é, sem se confundir com o outro e com o mundo. Limites orientadores que lhe permitam poder ser livre, nunca limitadores. Gosto de dar o exemplo de um rio, quando o rio não tem limites transborda e perde a força, desorientando-se do seu destino. Assim também nós precisamos de limites que nos orientem. Limites suficientemente flexíveis para não nos oprimirem.

P - E no ponto de vista da informação e do conhecimento atual do mundo. Estamos mais informados enquanto sociedade?

R - A confusão é grande. Muita informação e pouco conhecimento e a sabedoria muito menos. Pensamos que informação era sinónimo de conhecimento, mas enganamo-nos. Temos excessos, e sofremos com esse excesso. Corremos o risco de ter uma “congestão” informacional. Partindo desta metáfora – tudo é alimento – devemos considerar a informação-alimento que ingerimos, pois tal como na alimentação é da responsabilidade do cidadão saber escolher as suas fontes, claro que se a oferta for da má qualidade teremos as consequências.

P - Um dos diálogos mais prementes da atualidade remete-nos para a questão das fake news. De que forma é a que a psicologia, colaborando com os meios de comunicação, pode contribuir para uma diminuição do impacto deste fenómeno?

R - A principal colaboração que a ciência psicológica pode dar é ajudar a “formar” pessoas mais livres e conscientes, para que possam fazer as suas escolhas e tomar as suas decisões em liberdade e assim poderem responsabilizar-se pelas suas ações. Na altura da segunda guerra mundial o governo inglês criou um Instituto para ensinar os ingleses a decifrarem a manipulação que os alemães estavam a usar do ponto de vista da comunicação. Não teve vida longa, rápido perceberam que isso também colocava em causa o seu próprio governo. Poder viver em maior liberdade e em verdade é dos maiores desafios futuros, no entanto é das maiores ameaças que sofremos enquanto humanidade. A responsabilidade é de todos, do público e meios de comunicação.

P- Quando há bem poucos anos os estudantes tinham de correr para as bibliotecas e investir horas e horas na pesquisa de livros e outros documentos, os estudantes atuais têm o conhecimento à distância de um botão, contudo, referem vários especialistas (como o historiador Arthur Schlesinger), essa oportunidade parece não refletir uma evolução nas capacitação real para enfrentar os desafios do mercado.

R - Não basta termos bibliotecas digitais com milhões de livros, artigos e outros documentos disponíveis, temos que querer ter acesso a essa informação, saber o que escolher e fazer bom uso dessa informação. Produzimos em excesso, e nesta área também, não basta publicar por publicar, o importante é o propósito e a utilidade, seja ela mais funcional, estética ou de fruição.

Quem é Vítor Fragoso

fragoso3Vítor Fragoso, psicólogo clínico, professor universitário e investigador

Vítor Fragoso é licenciado em Psicologia pelo ISMAI (Instituto Superior da Maia), pós-graduado em Terapia Familiar pelo ISMAI/Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, com formação nas áreas de Educação Parental, Coaching, Empowerment e Liderança de Equipas de Trabalho (FPCEUP). Psicólogo especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, em Psicologia Educacional e Psicoterapia pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. Colabora como Docente na Escola Superior de Educação do Porto; Docente na Pós-Graduação de Educação Emocional em Saúde do Instituto Politécnico de Bragança; Membro do Conselho Editorial da Revista IGT na Rede - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar do Rio de Janeiro; Membro da Research in Education and Community Intervention (RECI) – Instituto Piaget; Professor na Universidade Sénior Contemporânea do Porto e no Instituto Cultural da Maia (Univ. Senior); Formador na Área da Educação e Inteligência Emocional, das quais se destaca a sua colaboração passada em instituições como Centro Hospitalar da Cova da Beira - Serviço de Ensino e Formação, Santa Casa da Misericórdia do Porto e Escola Superior de Educação - Instituto Piaget – V.N de Gaia; Exerce a atividade como Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta em Consultório Privado; Autor de vários livros e publicações no âmbito do Envelhecimento e Educação Emocional.

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